Município pode criar serviço de assistência jurídica a hipossuficientes, diz STF

As Defensorias Públicas não têm o monopólio da assistência jurídica a hipossuficientes. Portanto, municípios podem criar serviços de atendimento judiciário a pessoas carentes, de forma a ampliar o acesso à justiça.

Esse foi o entendimento do Plenário do Supremo Tribunal Federal, por nove votos a um, ao negar, nesta quarta-feira (3/11), arguição de descumprimento de preceito fundamental contra normas da Lei municipal 735/1983 e da Lei Complementar municipal 106/1999, que instituíram a Assistência Judiciária de Diadema (SP).

A ação foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República, que alegou que município não pode legislar sobre assistência jurídica e Defensoria Pública, conforme o artigo 24, XIII, da Constituição Federal — que estabelece competência concorrente da União e dos estados para tratar do tema. Assim, as normas de Diadema violaram o pacto federativo, disse a PGR. O caso chegou a ser apreciado em sessão virtual do Supremo, mas foi levado ao Plenário físico após pedido de destaque do ministro Dias Toffoli.

A relatora do caso, ministra Cármen Lúcia, afirmou que as leis de Diadema não instituíram defensorias públicas, mas sim serviço público para auxílio da população economicamente vulnerável do município.

A ministra apontou que o Estado tem o dever de garantir assistência judiciária gratuita aos necessitados. E, com isso, ampliar e tornar mais eficiente o acesso à Justiça. Cármen Lúcia também declarou que o serviço de Diadema não afeta a autonomia das Defensorias Públicas.

Além disso, a ministra entendeu que a situação é parecida com o serviço de assistência jurídica gratuita prestado por escritório de prática jurídica de universidades, e ainda com a advocacia pro bono ou decorrente de parcerias com a OAB para a assistência à população carente.

O voto da relatora foi seguido pelos ministros Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

Alexandre afirmou que o posicionamento das Defensorias Públicas nesse caso, contra a Assistência Judiciária de Diadema, é corporativo, não institucional.

“Não podemos confundir uma obrigatoriedade que a Constituição estabeleceu à União e aos estados, ou seja, de instituir Defensorias, com o monopólio do direito de defesa. Se a OAB quiser fazer um projeto com advogados atuando de forma pro bono em prol dos hipossuficientes, será inconstitucional? Tudo tem que passar pela Defensoria?”, questionou.

De acordo com Alexandre, o interesse a ser preservado no caso é o dos hipossuficientes, não o das corporações. E a atividade municipal, a seu ver, complementa o direito fundamental à assistência jurídica integral.

Nessa mesma linha, Edson Fachin disse que as normas do município de Diadema não suprimiram nenhuma função das Defensorias Públicas.

Há serviços públicos que só podem ser prestados por certos entes da federação, disse Barroso. Por exemplo, a permissão para construir é de competência exclusiva dos municípios, assim como o licenciamento de veículo é dos estados e a concessão de serviços de energia elétrica cabe à União.

Contudo, apontou Barroso, há outros serviços públicos que a Constituição incentiva que sejam prestados por todos os entes federativos e até pela iniciativa privada, como os de saúde e educação. Assim, o ministro entendeu que não há vedação à prestação de serviços de assistência judiciária por municípios, que podem legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, conforme o artigo 30, I e II, da Constituição.

Rosa Weber ressaltou que as normas não criaram Defensoria Pública municipal, apenas disponibilizaram serviço de assistência jurídica complementar, o que ajuda a reduzir a vulnerabilidade econômica e social e a aumentar o acesso à justiça.

“Não há problema de o município instituir serviço complementar de assistência jurídica. Isso não se confunde com as funções da Defensoria Pública. E se soma aos esforços dos demais entes da federação para se ter maior efetividade no acesso à Justiça”, opinou Lewandowski.

Gilmar Mendes ressaltou que a Defensoria Pública não tem monopólio do atendimento de hipossuficientes. E classificou a postura do órgão na ADPF de “egoísmo e corporativismo deplorável”.

“É um tipo de flagrante ‘hermenêutica do interesse’, do atendimento de interesses corporativos, ainda que sacrifique o serviço que é prestado”, afirmou.

O presidente do STF, Luiz Fux, disse que a Constituição não proíbe que atividades similares ou complementares às da Defensoria Pública sejam exercidas por outros órgãos, inclusive particulares.

Caso contrário, seria preciso fechar os escritórios jurídicos de faculdades de Direito e de centros de cidadania, declarou Fux.

Voto vencido
Ficou vencido o ministro Nunes Marques, que votou pela procedência da ADPF para declarar inconstitucionais as leis de Diadema.

Segundo Nunes Marques, as normas criaram uma verdadeira Defensoria Pública municipal, algo que não é permitido pela Constituição. O magistrado manifestou receio de que a validação da Assistência Judiciária de Diadema possa estimular os mais de 5 mil municípios brasileiros a criar órgãos semelhantes, dando margem a irregularidades.

E opinou que a solução para ampliar o atendimento jurídico aos mais pobres passa pela contratação de mais defensores públicos, e não pela autorização para municípios prestarem tais serviços.

Clique aqui para ler o voto da relatora
ADPF 279

Fonte: ConJur

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